quarta-feira, 1 de abril de 2015

Carta à Luísa Apressada do outro lado do oceano:



Pequena Luísa, eu entendo. Entendo essa vontade explosiva de querer chegar. E agora entendo ainda melhor o quão apressados deveríamos ter sido. E ter todos como segundo nome apressados. Sermos todos uma Luísa Apressada com A maiúsculo. Ter fome de mundo. Porque, na verdade, independentemente dos anos que possamos viver, nunca será suficiente. Quereremos sempre mais, faltará sempre algo para fazer, algo para descobrir, algo para viver. Mas entende, Luísa Apressada, que jamais poderás viver o que vives agora dentro de um corpo que te protege. Sabes, na Coreia do Sul, a idade começa a contar a partir do momento em que se sabe existir vida dentro de um corpo. No ano em que nasces conquistas um ano. Eles estão certos. Os momentos e os sentimentos de que nunca te recordarás dentro do útero onde te encontras jamais serão replicados.

E sabes outra coisa Luísa Apressada? O mundo está cheio de coisas tão maravilhosas que terás dificuldade em respirar em determinadas situações. Serão os melhores momentos da tua vida. Nunca os esquecerás. Luísa Apressada, o teu primeiro desses momentos está muito próximo de acontecer. As imagens dessa memória ficarão presas num espaço protegido no teu cérebro, mas o calor desse momento trá-lo-ás para sempre no peito. O calor de mãe. O calor de mãe no exacto minuto em que tocarás a pele da Ana Luísa, a tua mãe, e se olhem nos olhos. Sabes,  Luísa Apressada, és uma menina de sorte. Eu jamais esquecerei o brilho nos olhos da tua mãe quando há muitos anos nos falou de ti, quando nos verbalizou que queria um filho, esse mesmo brilho ainda mais explosivo presente no dia em que nos contou que te trazia no ventre. Eu não estarei presente no dia em que vocês se olhem, mas apertarei muito os olhos e verei o brilho nos olhos da tua mãe agora também presente nos teus. Será parte de ti. Carregarás o brilho da tua mãe que te permitirá ser tão impressionante quanto ela. Porque afinal vocês são uma. Onde quer que vás.

Sabes, Luísa Apressada, estou muito longe, mas senti-te dentro dessa barriga enorme e trouxe-te comigo. Estamos mais longe uns dos outros, mas nunca tivemos tamanha certeza, como temos hoje, de que a distância não machuca relações que se ergueram para uma vida inteira. Espero que o aprendas. E que independentemente das crises, dos desastres, das guerras, tenhas a oportunidade de trepar muitas vezes as árvores para ver o mundo. És uma menina de sorte Luísa Apressada porque terás sempre pessoas que te amam à espera. Eu serei uma dessas pessoas. Estarei à espera.

Agora, deixa-te gozar esse calor de dentro de mãe. Tens tempo. Temos tempo. Nós podemos esperar.

Com amor,
Tia P.

_ _ _ 

A Tia P. está em Washington DC, Luísa. Está lá, mas podia estar noutro sítio qualquer dada a sua sede de mundo. É ela (e a Tia G. também) que nos enche a caixinha de postais dos sítios por onde passa e nos conta pequenas estórias desses lugares. É ela que nos mostra o mundo, agora que tão cedo não vamos palmilhar mundo.
É uma Tia de muitos sobrinhos e tu tens a sorte de puderes partilhar o espaço no seu coração com todos eles. 
Esta é a tua primeira carta. 

Sem comentários:

Enviar um comentário