segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A mãe-monstro de quem eu tenho…pena



24 de Agosto

A maternidade dá-nos outros olhos para ver o mundo e ver as outras mães. Por exemplo, antes quando via os migrantes vindos do Norte de África a entrarem em Itália, com os bebés ao colo custava-me aceitar como é que um pai ou mãe coloca um filho naquela situação e a coisa ficava por aí. Agora quando vejo imagens dessas sinto uma dor física verdadeira. Sabendo como é frágil um bebé, dói-me ver crianças de colo a chegarem às nossas costas europeias, depois de todas as provações em alto mar. Só peço a Deus que proteja estes pequeninos nestas travessias, já que os homens dos seus países de origem não protegem.

As vivências de mãe recente já me foram dando algumas lições e novas realidades e confesso que pensei muito até decidir escrever este texto, porque tenho quase a perfeita noção de que grande parte das pessoas que o lerem talvez não partilhe da minha visão e me irão olhar de lado. Mas todas as histórias têm vários ângulos e este foi o que eu escolhi falar.

Há uns dias, através do Facebook, li uma notícia do Expresso que dizia que uma mãe nos Estados Unidos da América tinha atirado o seu bebé de dias pelajanela, porque dizia que ele estava “possuído” e queria “libertá-lo das dores”. Apesar da brutalidade da notícia e o desfecho triste, claro está, o que mais me marcou nesta notícia foram os comentários que li ao texto no Facebook. Chamavam a mulher do pior. Se noutros tempos, talvez me juntasse (ou não) àquelas vozes, desta vez não consegui. Apenas senti uma enorme tristeza pela condição da mãe e do bebé.

É claro que não sou médica e isto não é nenhum diagnóstico, mas muito provavelmente esta mãe estaria com uma depressão pós-parto quiçá provocada por um bebé difícil. Apenas defendo isto porque, durante os meses em que a Luísa esteve com cólicas, li muita coisa sobre o assunto e curiosamente li que há não muitos anos as pessoas ainda achavam que bebés com dores eram bebés possuídos. Esta “crença” entrava de tal forma na cabeça das mães e suas famílias que dava origem a exorcismos, rezas, um sem fim de coisas que não lembra a ninguém.

Ver aqueles comentários todos condenando a mãe só me fizeram ter pena dela. Muita pena. Primeiro, porque também eu passei por dias muito cinzentos, quando as cólicas eram visita constante cá em casa. Ninguém imagina o desespero a que chegamos quando temos um bebé que chora das 10h à meia noite, todos os dias. Só quem passa por elas. Depois, porque esta mãe, muito provavelmente, não teve uma rede familiar que tivesse lido os sintomas e a tivesse ajudado. Para finalizar, a brutalidade dos comentários não se comparam aos remorsos que esta mãe um dia irá sentir, quando recuperar. Vai viver com uma ferida aberta para sempre.

Depois de alguma pesquisa li que esta mãe já tinha outros dois filhos, sobre os quais nenhum jornal atribuía maus tratos. Daí que mais força deu à minha convicção de que esta mãe estaria com uma depressão pós-parto. Se fosse má mãe já o teria sido com os outros dois.

Ver esta notícia e depois os comentários a ela só me fizeram pensar em como a natureza às vezes é severa com as mulheres e depois a sociedade ajuda a enterrá-las mais.

Sinceramente, no meu caso, acho que estive com um pé numa depressão pós-parto e só não entrei por completo devido a vários factores.
Um deles foi, sem dúvida, este blog. Escrever, desabafar, contar abertamente o que me ia na alma fez-me muito bem. Aliás, posso mesmo dizer que depois do post Num lugar muito escuro recebi uma mensagem que me fez muito bem. Nessa altura sentia-me muito sozinha e alguém ter partilhado comigo que tinha passado pelo mesmo, com o mesmo grau de desespero, mas que as coisas entretanto tinham melhorado foi muito importante. Foi a esperança que me faltava. Eu sentia-me a pior mãe do mundo e parecia que todas as outras pessoas tinham tido um início de maternidade santo.
Depois a rede familiar foi fundamental. É claro que nestes momentos nós refugiamo-nos muito nas nossas mães, mas no meu caso outras pessoas ajudaram a que eu pudesse ter alguma horas de descanso, quanto mais não fosse para ir às compras ou fazer algum recado. Sair de casa, deixar de ouvir o choro durante uns tempos fazia muito bem.

Outro conselho que aqui deixo para quem conviva agora com uma grávida, que brevemente vá ser mãe é que não se esqueçam delas depois do bebé nascer.
Depois da Luísa ter alta e quando começou a sair de casa era frequente chegarmos a algum lado e com todas as atenções centradas na bebé, os restantes até se esqueciam que eu e o J. existíamos e sinceramente nessas alturas às vezes nós também estávamos a precisar de atenção e carinho. Às vezes, até se esqueciam de nos cumprimentar.

Eu acredito que para aquelas mães e pais que tenham tido bebés fáceis este texto seja música para os seus ouvidos, mas quem tiver passado ou presenciado um bebé difícil sabe bem que o que conto é verdade e que da lucidez ao desespero, às vezes, a distância é muito curta.

Por isso, apesar desta mãe-monstro ter acabado com a “possessão” que ia dentro do seu bebé, nunca irá acabar com a culpa que ficará para sempre dentro dela. Por ela só consigo sentir muita pena por este desfecho e uma grande tristeza por ninguém a ter ajudado. Com outra sorte talvez tivesse conseguido tirar o “monstro” da mãe.
 

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

122 dias depois dizem que vai haver pagamento



13 de Agosto


Ao cuidado de:
Sr. Diretor da Segurança Social de Aveiro, Rui Cruz
Sr. Ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares
Sr. Primeiro Ministro, Pedro Passos Coelho

Exmos Senhores,

Entrando na minha conta da Segurança Social Directa posso ler o seguinte: “A Segurança Social enviará para pagamento a partir do dia 2015-08-20, a sua Prestação de Impedimento Temporário para Trabalho no valor de XXXX Euros. Sabem quantos dias vos demorou a fazer o pagamento deste montante que equivale ao período da minha licença de parentalidade? Não se aborreçam com as contas que eu já as fiz. Basicamente foram 122 dias! Sim, vocês demoraram a enviar-me o pagamento 122 dias depois que a Luísa nasceu. Teoricamente vão efetuar-me o pagamento já depois do período de licença (que são 120 dias). Isso só não acontece porque depois da Luísa nascer estive 22 dias de baixa por assistência a familiar (é irem ler os post lá atrás do mês de abril e maio, sff), logo a minha licença estende-se até Setembro.

Com os papéis todos entregues a 08 de Maio (depois de três idas à Segurança Social) como é que só a partir de 20 de Agosto me vão fazer o pagamento? Mas os cofres não estavam cheios? É que ia jurar que tinha ouvido qualquer coisa deste tipo na imprensa.

Bem sei que andam é preocupadíssimos com as legislativas, pois é preciso assegurar a manutenção dos vossos postos de trabalho, mas não acho admissível nem coerente demorarem tanto tempo a fazerem o pagamento relativo a uma licença de maternidade. Tanto apregoam que é necessário aumentar a taxa de natalidade e que o Estado está empenhadíssimo em que isso aconteça, mas quando as famílias mais precisam vocês assobiam para o lado e pagam quando querem e vos apetece. Ai espera, se calhar esqueci-me daquele pormenor de que somos do escalão 4 e deve haver algum alarme lá na Segurança Social a dizer que somos ricos e que por isso podem demorar mais tempo a pagar…

Nestes meses todos a vida continuou cá em casa, sabiam? Houve contas e renda para pagar, consultas e exames aos quais tivemos que ir, medicamentos para comprar, leite (caríssimo) a adquirir, roupa para a Luísa que a Apressada deu um pulo no último mês, enfim o normal. E não foi com o dinheiro da licença que isto foi adquirido, foi com o dinheiro das nossas poupanças, que tanto esforço fizemos em amealhar. Usando terminologia agora muito na moda, digamos que cá em casa foi preciso também fazer um resgate financeiro. É certo que não como o da Grécia, e por isso acho que não nos vão expulsar da União Europeia, mas foi preciso fazê-lo.

Caros senhores, estou certa que nestes meses nenhum de vocês passou a vida a olhar para o extrato da conta bancária e a vê-la emagrecer de dia para dia. Pois eu passei. Muitos dias.
Felizmente tínhamos as nossas poupanças e felizmente temos uma família na nossa retaguarda que nos pode apoiar dentro dos possíveis. E se não tivéssemos?

Já pararam para pensar como é que serão os meses de uma família de parcos recursos a quem vocês também demorem 122 dias a efeturar a transferência? Eu faço o cenário. Resta-lhes pedir ajuda a uma Junta ou Câmara Municipal para pagarem as contas de casa e andar aos cabazes de alimentos nas associações de ação social. E aqueles que deveriam ser meses de enorme felicidade e paz, transformam-se em meses de tristeza e angústia, porque acho que não deve haver pior no mundo que um pai querer dar de comer a um filho e não ter.

Por isso, por favor, abram os tais cofres que estavam cheios e comecem a pagar a tempo e horas às mães e pais deste país que ainda têm coragem para ter filhos neste rectângulo à beira mar plantado, sim? E não venham com a desculpa de que fui caso único, porque não fui. Conheço outros.

E agora deixo-vos voltar às vossas vidas ricas e às legislativas.

Agradecida,

a mãe da Apressada