24 de Agosto
A maternidade dá-nos outros olhos para ver o mundo e ver as outras
mães. Por exemplo, antes quando via os migrantes vindos do Norte de África a entrarem
em Itália, com os bebés ao colo custava-me aceitar como é que um pai ou mãe
coloca um filho naquela situação e a coisa ficava por aí. Agora quando vejo
imagens dessas sinto uma dor física verdadeira. Sabendo como é frágil um bebé,
dói-me ver crianças de colo a chegarem às nossas costas europeias, depois de
todas as provações em alto mar. Só peço a Deus que proteja estes pequeninos
nestas travessias, já que os homens dos seus países de origem não protegem.
As vivências de mãe recente já me foram dando algumas lições e novas
realidades e confesso que pensei muito até decidir escrever este texto, porque
tenho quase a perfeita noção de que grande parte das pessoas que o lerem talvez
não partilhe da minha visão e me irão olhar de lado. Mas todas as histórias têm
vários ângulos e este foi o que eu escolhi falar.
Há uns dias, através do Facebook, li uma notícia do Expresso que dizia
que uma mãe nos Estados Unidos da América tinha atirado o seu bebé de dias pelajanela, porque dizia que ele estava “possuído” e queria “libertá-lo das dores”.
Apesar da brutalidade da notícia e o desfecho triste, claro está, o que mais me
marcou nesta notícia foram os comentários que li ao texto no Facebook. Chamavam
a mulher do pior. Se noutros tempos, talvez me juntasse (ou não) àquelas vozes,
desta vez não consegui. Apenas senti uma enorme tristeza pela condição da mãe e
do bebé.
É claro que não sou médica e isto não é nenhum diagnóstico, mas muito
provavelmente esta mãe estaria com uma depressão pós-parto quiçá provocada por
um bebé difícil. Apenas defendo isto porque, durante os meses em que a Luísa
esteve com cólicas, li muita coisa sobre o assunto e curiosamente li que há não
muitos anos as pessoas ainda achavam que bebés com dores eram bebés possuídos. Esta
“crença” entrava de tal forma na cabeça das mães e suas famílias que dava
origem a exorcismos, rezas, um sem fim de coisas que não lembra a ninguém.
Ver aqueles comentários todos condenando a mãe só me fizeram ter pena
dela. Muita pena. Primeiro, porque também eu passei por dias muito cinzentos, quando
as cólicas eram visita constante cá em casa. Ninguém imagina o desespero a que
chegamos quando temos um bebé que chora das 10h à meia noite, todos os dias. Só
quem passa por elas. Depois, porque esta mãe, muito provavelmente, não teve uma
rede familiar que tivesse lido os sintomas e a tivesse ajudado. Para finalizar,
a brutalidade dos comentários não se comparam aos remorsos que esta mãe um dia
irá sentir, quando recuperar. Vai viver com uma ferida aberta para sempre.
Depois de alguma pesquisa li que esta mãe já tinha outros dois filhos,
sobre os quais nenhum jornal atribuía maus tratos. Daí que mais força deu à
minha convicção de que esta mãe estaria com uma depressão pós-parto. Se fosse
má mãe já o teria sido com os outros dois.
Ver esta notícia e depois os comentários a ela só me fizeram pensar em
como a natureza às vezes é severa com as mulheres e depois a sociedade ajuda a enterrá-las
mais.
Sinceramente, no meu caso, acho que estive com um pé numa depressão
pós-parto e só não entrei por completo devido a vários factores.
Um deles foi, sem dúvida, este blog. Escrever, desabafar, contar
abertamente o que me ia na alma fez-me muito bem. Aliás, posso mesmo dizer que
depois do post Num lugar muito escuro recebi uma mensagem que me fez muito bem.
Nessa altura sentia-me muito sozinha e alguém ter partilhado comigo que tinha
passado pelo mesmo, com o mesmo grau de desespero, mas que as coisas entretanto
tinham melhorado foi muito importante. Foi a esperança que me faltava. Eu
sentia-me a pior mãe do mundo e parecia que todas as outras pessoas tinham tido
um início de maternidade santo.
Depois a rede familiar foi fundamental. É claro que nestes momentos
nós refugiamo-nos muito nas nossas mães, mas no meu caso outras pessoas
ajudaram a que eu pudesse ter alguma horas de descanso, quanto mais não fosse
para ir às compras ou fazer algum recado. Sair de casa, deixar de ouvir o choro
durante uns tempos fazia muito bem.
Outro conselho que aqui deixo para quem conviva agora com uma grávida,
que brevemente vá ser mãe é que não se esqueçam delas depois do bebé nascer.
Depois da Luísa ter alta e quando começou a sair de casa era frequente
chegarmos a algum lado e com todas as atenções centradas na bebé, os restantes
até se esqueciam que eu e o J. existíamos e sinceramente nessas alturas às
vezes nós também estávamos a precisar de atenção e carinho. Às vezes, até se
esqueciam de nos cumprimentar.
Eu acredito que para aquelas mães e pais que tenham tido bebés fáceis
este texto seja música para os seus ouvidos, mas quem tiver passado ou presenciado
um bebé difícil sabe bem que o que conto é verdade e que da lucidez ao
desespero, às vezes, a distância é muito curta.
Por isso, apesar desta mãe-monstro ter acabado com a “possessão” que
ia dentro do seu bebé, nunca irá acabar com a culpa que ficará para sempre
dentro dela. Por ela só consigo sentir muita pena por este desfecho e uma
grande tristeza por ninguém a ter ajudado. Com outra sorte talvez tivesse
conseguido tirar o “monstro” da mãe.