quinta-feira, 26 de março de 2020

Dois computadores numa mesa.


26 de Março



Hoje tive a prova da importância do desenho na vida de uma criança como forma de expressão, como registo do seu dia-a-dia, do ambiente que a rodeia. Mas foi uma prova que me doeu.
Estou com a Luísa em casa desde que a escola dela fechou e o Jorge juntou-se a nós esta semana.

Ambos em teletrabalho transformamos a nossa mesa da sala – aberta na sua extensão total – no nosso posto de trabalho. Ele dum lado, eu do outro. No resto da sala reinam as princesas, um urso cor-de-rosa gigante, um cavalo de baloiço, plasticinas, desenhos, jogos. Nós, os adultos, somos a ilha de aborrecimento no meio do mundo de fantasia em que se transformou a sala.

Hoje a Luísa sentou-se a “trabalhar” na mesa dela e poucos minutos depois veio-me mostrar o resultado do trabalho dela. Era uma folha em branco, onde desenhou uma mesa com computadores, eu de um lado e o pai do outro, ao lado ela sozinha. Sozinha. Longe do mundo do trabalho, que nos ocupa o dia todo. Quase me vieram as lágrimas aos olhos. Depois foi mostrar ao pai. Demos-lhe muitos beijinhos e abraços e dissemos-lhe que o desenho estava muito bonito. Eu sempre com o meu cabelo que ela diz que é vermelho, o pai em frente a um ecrã enorme. Pura realidade. O desenho era o espelho da nossa manhã, da nossa semana.

Nunca estivemos tanto tempo com a Luísa dentro de casa, mas ao mesmo tempo nunca estivemos tão ocupados e absorvidos em trabalho. E a nossa menina lá se vai entretendo, sozinha, mesmo que às vezes ouça “Agora não, Luísa!” e até nem se queixa muito, vai entendendo este trabalho caseiro. Faz desenhos, vê filmes, veste-se de princesa, marca o dia do mês num calendário como faz na escola, vem-me dizer rimas ou lengas-lengas, pedincha jogos de computador ao pai (isto dará outro texto um dia destes!).

Nós procuramos dedicar-lhe momentos só para ela ao longo do dia, como a caminhada “higiénica” lá fora após o almoço ou 30 minutos de ginástica que faz com o pai ao final da tarde. Mas é pouco. Virão alturas em que o trabalho afrouxará, mas por agora quer o Jorge quer eu temos de nos dedicar aos nossos trabalhos. Ninguém vive só do ar que respira e felizmente temos trabalhos, que salvo algumas excepções, conseguem ser feitos desde casa.

Mas depois de um desenho daqueles ficou-me um amargo de boca. Gerir família e trabalho, tudo no mesmo espaço não é fácil, embora pareça. Quantos pais não se estarão a sentir assim, como que se estivessem a colocar trabalho à frente dos filhos?

A todos os pais em teletrabalho, que tiveram reuniões com os filhos ao cólo ou atenderam um telefonema enquanto assoavam um nariz, que deixaram um e-mail a meio para dar o lanche da manhã ou mudar uma fralda, um beijinho de camaradagem e um xi-coração apertadinho.
No final, vamos ficar todos bem, não é assim?


Que venha o fim-de-semana sem teletrabalho.

P.S. A imagem que coloquei é o desenho feito pela Luísa.

sábado, 21 de março de 2020

O guião de filme que se tornou realidade


21 de Março 2020

Uma semana de quarentena em casa. Sobrevivemos.

Quase todos os dias acordo a pensar se esta história do Covid-19, para os amigos Coronavírus, é verdade. Depois basta ligar a televisão para ter a confirmação.
Por outro lado, eu já tive treino de “quarentena” há cinco anos atrás, graças à Luísa apressada, e tendo em conta que na anterior tinha de ficar na cama de um hospital, acho que nesta estou a sair beneficiada…porque pelo menos me posso mexer e estou na minha casa.

O cenário é assustador, sabemos que o Sistema Nacional de Saúde não vai ter capacidade de resposta (nenhum o tem), se os casos começarem a escalar como em países como Itália ou Espanha, aqui perto. Por outro lado, temos um Governo e Presidente da República que fazem discursos vazios de conteúdo, como se num momento todos os portugueses ficassem desprovidos de inteligência. Nem falemos das medidas anunciadas. Temo que grande parte delas são “para inglês ver”.

Também não sou ingénua ao ponto de achar que se fecha tudo sem adivinhar que daí não virão consequências económicas muito graves. Sim, vai haver despedimentos. Sim, vai haver falências. E logo agora que parecia estar o país a equilibrar, pensa muita gente. Mas de que me adianta ter dinheiro no bolso se não tiver as minhas avós cá? De que me adianta ter dinheiro no bolso se eu tiver sido o elemento que contagiou outras pessoas, que por sua vez contagiaram mais umas quantas?

Este vírus tem de servir para algo, bolas! Tem de servir para sermos humanos de novo, sentirmos que a presença dos que amamos pode estar em risco e agirmos, pelo amor que lhes temos. Não podemos chegar ao ponto de ter de entregar a responsabilidade a um médico de escolher quem se salva e quem morre, quando o SNS estiver a rebentar. Porque é isso que vai acontecer se continuarmos a ter estado de emergência, mão não ter; a ter negócios obrigatoriamente encerrados, mas não ter.

O planeta já está a falar para nós, a mostrar que a regeneração é sempre possível. O que não tem solução é a morte.

Por isso Luísa, ao Governo de Portugal eu peço que não nos mintam, que sejam audazes, que não pensem politicamente (ingénua, eu sei!). Trabalhem com o tempo e não contra ele, permitam ao país parar, curar-se e quem sabe algum dia em Hollywood façam um filme sobre esta “guerra”, mas com um final feliz.