21 de Março
O mundo ainda é muito cruel para as mulheres.
Os julgamentos, os juízos de valor, as acusações, os dedos apontados
ainda são muitos quando alguma decisão é tomada no feminino ou alguma coisa
acontece aos filhos. A culpa é quase sempre da mãe.
Não me esqueço do caso da atleta Sara Moreira, acabada de chegar a
Portugal depois de um honroso terceiro lugar na Maratona de Nova Iorque, e em
vez das histórias se centrarem à volta da sua conquista parecia mais importante
salientar que a maratonista tinha faltado ao primeiro aniversário do filho. Se
fosse um homem soariam os clarinetes, seria herói nacional e o ter falhado um
aniversário do filho seria perfeitamente admissível, pois decerto que a criança
teria ficado com a mãe e o pai tinha ido lutar pela sua carreira.
E já nem vou falar das empresas que “pedem” às funcionárias para
assinarem compromissos em como nos próximos anos não terão filhos. Como se a
competitividade das empresas estivesse dependente das mulheres com filhos. Isso
dava pano para mangas e motivo para revolução. Um novo Abril de cravos
cor-de-rosa.
No mundo de hoje ainda somos muito tacanhos. Somos, sim senhor, e eu
acho que isso se sente quando o tema é ter filhos. Aos olhos do mundo a função
prioritária de uma mulher qual é? Ter filhos. Ponto. E quando esse objetivo não
é conseguido ou há problemas no processo ou durante a gravidez fica a pairar no
ar uma desconfiança, há sempre alguns comentários nas entrelinhas. O pior são
aquelas pessoas todas sorrisos pela frente e ao virar da esquina…”Coitadinha!”
(odeio essa expressão).
Pois bem, por estes dias vivo numa espécie de armazém de stocks com
pequenos defeitos. Cada uma tem uma “etiqueta” com o problema associado, à
espera de ser ultrapassado. No entanto, já não nos livramos de ser consideradas
peças de Outlet, com desconto… Vai pairar sempre no ar “o(s) problema(s)”.
Somos três peças de stocks residentes. Já nos habituamos aos olhares
de pena de algumas visitas e a chutar isso para longe. P´ró Inferno com os
vossos olhos piedosos!!
É por isso que, às vezes, olho para nós e nos imagino aqueles caixotes
enormes de carga com um grande rótulo a dizer “Damaged Goods”.
Os nossos dias não são serenos, são cheios de sobressaltos e cheios de
responsabilidade sobre o que vai acontecer às nossas crianças.
Ter “defeito” deu-nos uma couraça mais resistente, centradas no
optimismo (abaixo as histórias trágicas!) e sempre alerta.
O mundo gosta de nos mandar ao chão muitas vezes quer seja pelas acusações,
os olhares quer seja pelas descidas ao Núcleo de Partos, quando alguma coisa
não está bem. Hoje foi uma noite conturbada por aqui. Mas nessas alturas já nos
habituamos a ver umas lágrimas na cara de quem desce ao famoso terceiro piso, a
lançar palavras de optimismo e a acreditar com todas as forças que tudo vai
correr bem. Tudo vai correr bem!
Por isso, mesmo presas aqui neste nosso armazém de stocks a nossa luta
é também contra o mundo e todos os dias lhe mostramos que somos fortes,
resistentes, mesmo quando choramos e que não há “defeito” que nos vá lançar ao
tapete. E esperamos que toda a gente que convive connosco se lembre, um dia, do
nosso exemplo e o conte a alguém a quem também tenham posto a etiqueta de “damaged
goods” e isso lhe dê forças para combater.
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