09 de Maio
No dia 29 de Abril, quando subi com a Luísa à Pediatria agarrei-me com
todas as forças ao facto de que terminaríamos os 21 dias de tratamento no dia
12 de Maio, para aguentar mais esta etapa. Nesse dia iriamos finalmente para
casa.
Na minha cabeça a meta era essa, o dia 12. Nesse dia nasceria uma nova
vida para nós as duas. Uma vida sem cateteres, sem medidas de tensão e outros
valores, sem termómetros, sem rondas diárias, sem pedidos de suplemento, sem
idas a casa a correr, sem noites (mal) dormidas num cadeirão.
Mentalmente por cada dia que passava eu fazia uma cruz no calendário
da minha cabeça.
A Luísa estava a ficar bem, mas eu precisava desse objetivo, dessa
meta para sentir que estava cada vez mais próxima de casa.
Quando na quinta-feira passada a enfermeira me disse que um dos
medicamentos da Luísa tinha sido iniciado dois dias mais tarde e que por isso a
data da alta seria adiada por dois dias, mais uma vez, caiu-me tudo ao chão. Eu
sei que é necessário levar os tratamentos até ao fim, eu sei que é pelo bem da
Luísa, eu sei disso tudo e muito mais, mas também sei que não aguento muitos
mais dias aqui, já não tenho muitas mais forças físicas nem mentais. Se custa
admitir isto? Custa, custa muito. Mas eu não sou de ferro. Ninguém é. Uns
conseguem é ser de alumínio e outros de inox, mas de ferro ninguém. Ao mesmo
tempo arredar pé daqui nem que seja por duas ou três horas custa. É quase como dizia
o Variações só estou bem onde não estou.
À enfermeira não devo ter feito uma cara nada agradada. Aliás, onde é
que eu já tinha visto este filme? É que primeiro o tratamento seria de 14 dias
e depois passaram-no a 21 e agora voltavam a adiar a nossa saída mesmo que por
mais dois dias. Dois dias são 48 horas e 48 horas aqui dentro parecem dois
séculos. O tempo não passa. Tudo muda lá fora menos nós que estamos aqui em
hibernação.
Engoli em seco e continuei o dia. Ao final da tarde estava a tentar
dar de mamar à Luísa, mas sem sucesso. Quando ela adormece profundamente
conseguir que coma é um desafio. Não abre a boca, não dá o jeito ao corpo,
mexo-lhe nos pés, nas orelhas, na cara, aperto-lhe o nariz e nada. Os nervos
eram tantos que, tal como numa panela de pressão o vapor começou a sair, só que
em mim em forma de lágrimas. Foi tudo junto, a frustração de não a conseguir
alimentar e o desespero de ver adiada mais uma vez a nossa ida para casa.
A minha filha não tinha culpa e naquele momento eu não estava a ser uma
boa mãe, mas não aguentei. Naquele momento só queria sair deste Hospital, só
queria ir para casa e embrulhar-me nos meus lençóis e só sair de lá daqui a uns
dias, quando tudo tivesse passado.
No dia seguinte a médica explicou-me que na segunda-feira a equipa da
Pediatria estaria reunida e que iriam debater o caso da Luísa, sendo que no
horizonte podiam estar três hipóteses: só ter alta na quinta-feira e completar
os 21 dias de todos os medicamentos; ter alta já na terça-feira e não terminar
os 21 dias do último medicamento; ou tentar antecipar algumas tomas desse
remédio para conseguir ter alta pelo menos na quarta.
Agradeci a explicação, mas frisei que não iria pressionar para ter
alta antes e que se tivesse de ficar até quinta-feira ficaria. Neste momento,
os meus quereres são os que menos importam. Aliás agora e provavelmente para
sempre. De qualquer das formas gostei muito de falar com a médica da Pediatria,
tem sempre uma energia positiva.
Assim, em vez de me voltar a agarrar aos dias como meta decidi voltar
à frase que repeti vezes sem conta na minha cabeça quando via a Luísa dentro da
incubadora: o que vier é para mim.
Sem comentários:
Enviar um comentário