27 de Março
Ser mãe é o meu trabalho mais difícil. Não me canso
de o dizer.
É o único trabalho que por muitos livros que leias,
por muitos bons exemplos que te rodeiem, por muitos conselhos que te deem, nada
te prepara para a resposta de um ser pequenino também ele cheio de vontades e
personalidade própria. Um ser à descoberta do mundo e do seu papel/espaço nele.
Eu e a Luísa andamos numa luta, que eu sinto perder
sempre. A minha mãe – pelas mãos de quem já passaram centenas de crianças – diz
que é uma fase de exploração, que ela é pequenina. As minhas amigas com filhos
dizem que são já os “terrible two”. Seja o que for eu recuso-me a ceder e ela
recusa-se a quebrar. E o jogo é este.
Passo o dia a ver as horas passar para chegar a
casa e brincar com a minha Apressada e quando chego a casa tenho de lidar com o
ser desafiada, o ser posta sempre à prova. E controlar-me, controlar-me a
sério.
Os meus vizinhos já devem estar fartos de me ouvir aos
berros. É que eu também não sei expressar emoções em voz monocórdica e o que me
vai na alma sai-me alto e em bom som.
Não atires comida para o chão. Não rasgues os
livros. Não calques as caixas. Sai de cima da caixa dos Legos. Não abras a
gaveta dos panos. Ai de ti se abres a torneira do bidé. Tantos, tantos
brinquedos e só está bem a mexer ou fazer o que não deve. Mas até aqui tudo
normal.
O pior é que eu digo não rasgues e ela rasga mais
duas folhas, eu digo não calques e ela ainda põe mais um pé em cima, digo não
atires e ela pega noutra coisa qualquer e atira a olhar para mim. O olhar dela diz:
“Eu faço o que quero. Tu não mandas em mim”. E eu fico cega.
Hoje ao jantar estava numa de a deixar comer com as
mãos, nem estava no circo do costume que é o “Luísa, é com a colher! Pega na
colher.” Estava numa de desde que comas até pode ser com os dedos dos pés. Só estávamos
as duas.
Olho para o lado e vejo ervilhas e um pedaço de
peixe no chão. Eu odeio ver comida no chão. Odeio. Não é pela questão de ter de
limpar, acreditem. É pelo desperdício. Custa ver que aquela comida vai para o
lixo. Repreendia, disse-lhe para não fazer isso, mas nada de mais. Nem levantei
a voz. Mais uns minutos e já eram ervilhas, massa, milho, peixe, um festim.
Levantei-me, enchi-lhe uma colher e berrei. Pois, sua excelência, não gostando
de ouvir da mãe, agarra no prato e atira-me com TODA a comida ao chão, azulejos…
Estão a ver o Hulk, aquele herói que fica verde?
Era eu. Meninas, era eu! Só que para além de verde, corri todas as cores do
arco-íris. Passei-me da cabeça e dei-lhe uma palmada a doer nas mãos. Chorou e
tudo o que conseguiu agarrar foi para o chão também.
Expliquei-lhe pela centésima vez que não se atira
comida para o chão ou qualquer outra coisa. Que se não quer comer ou não quer
brincar deixa as coisas onde elas estão. Eu às vezes também não quero pagar
contas, mas não ando a atirá-las pelos ares!!
De castigo não lhe dei os morangos da sobremesa e
disse-lho. Não sei se fiz bem, não sei se fiz mal. Fiz e ponto. Para mim uma
ação tem sempre uma consequência, boa ou má. É o que tento ensinar-lhe, que não
pode fazer tudo o que quer e continuar com a sua vidinha como antes. E ela sabe
o que são asneiras. Ai sabe, sabe. Ela própria muitas vezes se acusa.
O mundo tem regras e tem lá outras pessoas. E eu
acredito que se não for agora – mesmo que antes dos dois anos – que eu lhe
ensine que há comportamentos certos e comportamentos errados, que tem de haver
respeito pelas coisas que são nossas ou que nos são dadas e respeito pelos
outros, um dia posso querer ensinar e ser tarde.
Maior parte das vezes não sei o que fazer. Não sei
se faço bem em berrar, não sei se faço bem um dar uma palmada, não sei se faço
bem em ignorar. Eu sei que isto é pensar muito à frente no tempo, mas às vezes
acho que eu e a Apressada vamos chocar muitas vezes. Eu não choco com a minha
mãe.
Se alguém tiver uma receita milagrosa, umas dicas
que diga. Sou toda ouvidos.
Porque nestes dias de berros e palmadas nas mãos já
nada me sabe bem, já nada me corre bem. Só me consigo sentir frustrada e pensar
que aprendi a fazer despachos alfandegários e a distinguir um sapato em pele de
um em sintético, e a dobrar roupa ao pescoço numa loja e a fazer notícias e
entrevistas, mas ser mãe é incomparavelmente mais difícil que tudo isto.
P.S. Agora estou a ouvir umas musiquinhas serenas a
ver se o meu estado de espírito se acalma…
Por aqui passamos por semelhante. Hoje, com quase 4 anos, também tem os seus dias. Nem sempre mantemos a calma e a voz serena, mas chegamos à conclusão que quando o conseguimos fazer, o resultado melhora. Ao discutirmos, barafustarmos, gritarmos, estamos a ensinar-lhe um comportamento cuja réplica não queremos. O castigo aqui em casa também funciona... Continua no bom caminho... e na luta difíiicil da maternidade!
ResponderEliminarEhehe..Que riso!!A Luísa é dura de roer!!:)
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