16 de Setembro
E se um dia, Luísa, eu tivesse de pegar em ti, pôr-te à minha ilharga
e partir, deixando tudo para trás? E se um dia, minha filha, o mundo que
conhecemos à nossa volta fosse destruído e tivéssemos de fugir? E se um dia,
para te proteger, para que continuasses a ter possibilidades de viver, tivéssemos
de procurar ajuda noutros países? Se esse dia chegasse, eu gostaria que alguém,
alguma nação nos desse a mão.
Há uns dias, Luísa, uma família síria que fugia da guerra e da morte
que vivem no seu país, lançaram-se ao mar num bote e naufragaram. Pelo mundo
todo correu a imagem de um dos meninos dessa família prostrado na areia, sem
alma sem vida. Até que ponto um pai e uma mãe chegam para arriscar tudo para
conseguir fugir à guerra? Ao ponto em que a vida já não é vida, é
sobrevivência, ou melhor, é pura sorte de não se ser atingido num tiroteio ou
num ataque aéreo. É essa vida que faz todos os dias milhares de sírios (e
outras nacionalidades) quererem chegar à Europa. Uma Europa onde a paz dura há
várias décadas, os direitos humanos vão sendo cumpridos e onde sentiram haver
mãos que os amparassem na queda. Sim, porque se eu tivesse que abandonar a
nossa casa, a nossa terra, o nosso país, por causa de uma guerra, seria em
queda livre que eu me iria sentir.
Todos os dias as notícias multiplicam-se sobre os migrantes ou
refugiados e todos os dias eu penso mais um bocadinho no assunto e tento chegar
a uma solução, a uma posição. Li o que disse o Jorge Sampaio, o António
Guterres, li a opinião do João Miguel Tavares no Público que afirmou que chorou
ao ver a foto do menino sírio na praia, porque viu nele refletido um dos seus
filhos. Li e ouvi posições de quem é pró e quem é contra acolhê-los no nosso
continente. E confesso, que se por um lado quero que a Europa acolha estas
pessoas e lhes dê esperança, também tenho medo do que aí possa vir.
Eu sei que muitos dirão que são medos infundados, mas e se daqui a uns
anos um desses refugiados achar que não está a ser bem tratado na Europa e se
decidir vingar de nós? E se esse refugiado decidir vingar-se no exato momento e
que eu e tu formos a passar na rua? Eu sei, podem chamar-me tacanha, mas eu
tenho medo. Não por mim, mas por ti, porque quero que tenhas uma vida plena sem
esses riscos.
Ainda assim, e sem deixar de sentir algum receio, acho que temos de os
acolher. Temos de lhes mostrar que deste lado do Mediterrâneo há humanos e não
monstros. Vamos ter de saber dividir o pouco que alguns já têm. Vamos ter de
lhes mostrar que somos tolerantes aos credos deles, às suas diferenças, às suas
formas de vida. Vamos ter de enfrentar as sombras de frente e esperar que eles
sejam bem acolhidos, que se sintam bem aqui até chegar o dia de regressarem à
sua pátria e que um dia nos agradeçam o esforço. Vamos ter de dar a mão e
esperar que essa mão um dia não nos estrangule, porque só esta atitude mostrará
que somos evoluídos. Eu quero acreditar que o somos.
Eu sei que tudo isto será muito difícil para todos os países e suas
sociedades, é um tema capaz de fracturar. Mas se um dia eu e tu, Luísa, tivéssemos
de fugir a uma guerra eu queria ter a esperança de que alguém nos daria a mão.
P.S. Por outro lado,
ao ver esta onda de solidariedade para com os refugiados leva-me a pensar que
nos podíamos unir mais também por temas como os sem-abrigo. Muitos deles também
não têm um tecto, não têm uma luz ao fundo do túnel e, se calhar, não recebem
assim tanta atenção.
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