Como prometido hoje publico aqui no blog a entrevista que fiz em Julho à Directora do serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital S. Sebastião, Dr.ª Teresa Paula Teles.
Esta entrevista saiu hoje no semanário Terras da Feira e fica aqui a oportunidade de a lerem, caso não agarrem um dos exemplares em papel.
“Seria um erro alguém tentar encerrar a maternidade”
O serviço de Obstetrícia e Ginecologia
do Hospital S. Sebastião recebeu, recentemente, o grau máximo de Excelência
Clínica atribuído pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Teresa Paula Teles,
directora do serviço, falou ao “Terras da Feira” sobre a equipa que dirige e
afasta o cenário de encerramento outrora anunciado. A responsável lamenta ainda
que a má imagem do serviço de Urgência prejudique o trabalho realizado nas
restantes áreas do hospital.
Ana Luísa Tavares
Foi atribuída, recentemente, a
classificação de Excelência Clínica, no seu nível máximo, ao serviço de
Obstetrícia e Ginecologia do Hospital S. Sebastião. A que critérios o serviço
correspondeu alcançar este título?
Os
indicadores prendem-se, sobretudo, com o tempo de internamento, com profilaxias
antibióticas, com profilaxia de tromboembolismo ou com o grau de infecção após
o internamento. Estes indicadores são revistos duas vezes por ano, por colegas
do serviço que os lançam numa plataforma da Entidade Reguladora para a Saúde.
Efectivamente, este tipo de certificação [pela ERS] já foi iniciada há alguns
anos e o hospital tem sido muito bem classificado, nomeadamente, no serviço de
Obstetrícia e Ginecologia.
Esta classificação é importante para
mostrar que estes serviços merecem continuar no S. Sebastião?
Claro
que esta classificação é muito boa para todos os profissionais que trabalham
aqui e é também a prova de que nós estamos aqui, funcionamos muitíssimo bem e
que, provavelmente, seria um erro alguém tentar encerrar a maternidade. De
qualquer forma, esse encerramento não diz respeito à Ginecologia. Penso que
esses boatos se prendem com a portaria que saiu, em Abril de 2014, em que
preconizava o encerramento de cerca de 20 maternidades a nível nacional. Medida
que considero inviável, mesmo com uma baixa taxa nacional de natalidade. De
qualquer forma, o serviço de Ginecologia continuaria a funcionar na totalidade
com consulta, com internamento e cirurgia, e o de Obstetrícia também iria funcionar
em termos de consulta, ecografia e vigilância das grávidas. Julgo que só
realmente os partos não seriam realizados nesta instituição. Depois dessa
portaria, que saiu em Abril de 2014, não se voltou a falar no assunto. Estou
confiante que, com este nível de excelência clínica e com os bons resultados
que temos apresentado nos últimos anos, não será uma maternidade a encerrar. Admito
que foi um cenário que suscitou muita apreensão na população abrangida por este
hospital, pois, decorrido um ano, ainda somos sistematicamente questionados
sobre este problema. Até quando temos reuniões com a Unidade Coordenadora
Funcional, os enfermeiros e os médicos ainda nos perguntam como está esta
situação. Mas, a verdade, é que nunca mais se voltou a falar sobre esta Portaria.
É um assunto, contudo, que não foi
fechado. A qualquer momento pode ser revisto?
Depois
das próximas legislativas tudo poderá mudar, dependendo de quem ficar no
Governo, pois sabemos que isto também tem a ver com medidas políticas.
Ao nível dos nascimentos, há algum
número que o serviço tenha de cumprir para assegurar a manutenção do Núcleo de
Partos?
Não. Nunca ficou definido um número. O
que estava definido era o número de elementos por equipa de Urgência em função
do número de partos. Ou seja, se houver maior número de partos, teremos de ter
mais elementos no serviço. Se tivermos um menor número de partos, teremos de
ter menos elementos no serviço. Aqui o número de partos nunca esteve em causa,
ao contrário do que aconteceu com Oliveira de Azeméis. Agora, o número de
partos a nível nacional é realmente preocupante. Ainda recentemente tive uma
reunião na ARSNorte e fomos confrontados com gráficos que demonstram o
decréscimo do número de partos nos últimos anos. É, de facto, assustador. Neste
Hospital, no ano 2000, foram realizados três mil partos e, no ano passado,
registaram-se pouco mais de 1.600. O número de nascimentos decresceu
significativamente. É uma realidade assustadora em termos sociais e que torna
premente a implementação rápida de medidas de apoio à natalidade. Para além da
crise que se gerou, as nossas mulheres que trabalham não têm qualquer apoio em
termos de natalidade e não têm qualquer segurança em termos profissionais.
Portanto, não arriscam ter filhos para depois ficarem sem emprego.
Mas
fala-se que, desde o ano passado até agora, houve um incremento de nascimentos.
Sim,
no ano passado já houve um aumento de quase 200 partos a nível nacional. Não é
muito. Os dados deste ano já apontam para mais um pequeno aumento, mas é ainda
insuficiente para fazer face à queda acentuada verificada em anos anteriores.
Teresa Paula Teles, directora do serviço de Obstetrícia e Ginecologia |
Como se motiva uma equipa ao ponto do
seu trabalho resultar numa classificação de Excelência Clínica numa altura de
tanto descontentamento entre os profissionais de saúde?
Penso que o segredo está, acima de tudo,
em gostar-se muito daquilo que se faz. Quando assim é, surgem sempre novas
ideias, novas metas. Por exemplo, estamos a equacionar a hipótese de ter
musicoterapia durante o trabalho de parto e adquirirmos bolas de pilates e as
suas bases para as grávidas. Estamos sempre a pensar como é que havemos de
fazer mais e melhor. Estamos também, em conjunto com o serviço de
Anestesiologia, a tentar conseguir que as nossas grávidas, mesmo com a epidural,
consigam deambular, enquanto não entram na sala de partos. Fizemos questão de
lançar um site (http://ginecologiaobstetriciachedv.pt.vu/) cheio de informação
para grávidas e utentes de Ginecologia e fazemos também reuniões sobre os medos
e mitos na gravidez. As ideias são muitas e quando uma está concretizada
passamos à seguinte. É uma dinâmica que contagia. Por isso, apesar dos cortes
salariais, do muito trabalho, acho que a equipa está motivada e cheia de
ideias. Por outro lado, também temos apostado na criação de protocolos para
enfermeiros e médicos para que, dessa forma, se minimizem os riscos e os erros.
Há protocolos para as enfermeiras do internamento, protocolos para o Núcleo de
Partos e para o próprio trabalho de parto. Os profissionais seguem uma checklist para que nada falhe.
Considera que as notícias sobre as
Urgências do S. Sebastião acabam por afectar a imagem que os utentes possam ter
dos outros serviços do hospital?
Claramente. Mas é um mau juízo, porque
o serviço de Urgência, até agora, era assegurado por equipas de empresas que
contratualizam médicos, nem sempre com a melhor qualidade, mas que, acima de
tudo, não estavam ligados a este espírito de serviço. Eram médicos que vinham
fazer o serviço e iam embora. Isso reflectiu-se no trabalho e criou algum
descontentamento e alguma instabilidade junto da população. Acho, por isso, que
hoje a má imagem que o hospital possa ter advém muito da porta de entrada que é
o serviço de Urgência, porque os outros serviços funcionam com excelente
qualidade. Mas este Conselho de Administração (CdA) está a fazer um esforço
enorme, desde que tomou posse, para reabilitar e alterar o funcionamento do
serviço de Urgência e julgo que já se começam a ver resultados.
Está prevista alguma acção de promoção
do serviço de Obstetrícia até para fazer face ao aumento do número de casais
que, agora, optam por fazer o nascimento dos filhos no sector privado?
Temos a nossa página (http://ginecologiaobstetriciachedv.pt.vu/)
que está online há cerca de três meses e meio. O site contém informação sobre
todas as actividades do serviço, divulga as datas da reunião dos medos e mitos
na gravidez, que são as reuniões que nós facultamos às grávidas no primeiro
trimestre ou no princípio da gravidez, aos sábados de manhã das 10h00 às 12h30,
orientadas por um obstetra. Divulgamos também as sessões de esclarecimento de
preparação para o parto, para todas as grávidas depois das 35 semanas.
Encontram-se lá esclarecimentos sobre cuidados na gravidez, o que trazer para a
maternidade, sinais de alerta, as normas, os folhetos que vamos desenvolvendo,
questões de Ginecologia. São tudo informações que muitas vezes as grávidas e as
senhoras vão procurar à internet ou nos colocam nas consultas e ali têm tudo à
disposição. Pensamos que é uma página muito completa e que está em constante
actualização. Depois temos a tal reunião dos Medos e Mitos na Gravidez em que
as senhoras colocam as suas dúvidas. As reuniões acontecem ao sábado de manhã
para não prejudicar a actividade laboral das grávidas e têm sido muito bem
aceites e os maridos também vêm e participam. Estamos também a desenvolver o
Guia da Grávida, em conjunto com o Centro de Saúde da Feira. Com este guia,
pretendemos que todas as informações transmitidas pelos centros de saúde que
pertencem ao CHEDV sejam as mesmas. Estamos ainda a trabalhar no sentido de
angariar dinheiro para imprimir em livro e distribuí-lo por todas as grávidas. Também
está prevista uma linha telefónica de acesso directo, tanto ao sector de
diagnóstico pré-natal para falarem com uma enfermeira - quando as grávidas
tenham dúvidas relativamente aos rastreios - como o acesso ao internamento para
as mães que tenham tido já alta, estejam em casa, e tenham alguma dúvida
relativamente ao bebé. Aguardamos agora a autorização do CdA para avançar. Acredito
que estas medidas criarão uma maior proximidade com as mães.
Este ano, a título excepcional, têm
tido já alguns casos de cirurgia fetal que obriga a enviarem a grávida para ser
operada em Barcelona.
No Hospital S. Sebastião a cirurgia
fetal ocorre em grávidas com gémeos com placenta única, em que se detecta a
síndrome da transfusão feto-fetal, onde um bebé cresce mais do que o outro, o
que não é bom. Isto exige muita perícia ecográfica para fazermos o diagnóstico
da síndrome da transfusão feto-fetal. Estas grávidas são vigiadas
quinzenalmente entre o sector de ecografia e a consulta de gémeos para fazermos
este diagnóstico precocemente e atempadamente. Quando isso acontece temos de
tratar estas transfusões entre um feto e outro através de cirurgia fetal a laser.
Não se faz a nível nacional, não há nenhum centro em Portugal que o faça. Há
centros em Espanha, França e Inglaterra. Nos últimos anos, desde que o hospital
abriu, tivemos meia dúzia de casos, mas este ano já tivemos quatro ou cinco
casos. Actualmente, estamos a enviar as nossas grávidas para o Hospital Clinic,
em Barcelona, que funciona muito bem e com resultados excelentes e honra temos
de fazer ao nosso CdA que com a maior celeridade, de um dia para o outro, marca
o voo e efectua o seu pagamento, assim como assegura a estadia da grávida em
Barcelona. São custos elevadíssimos numa altura de aperto, mas o CdA deste hospital
tem facilitado ao máximo, o que muito nos agrada. Temos um CdA muito motivado e
preocupado por estas situações e, este ano, já foi preciso dar atenção a quatro
casos. Num dos casos, os gémeos já nasceram e nos outros as gravidezes estão a
decorrer e está tudo bem com os bebés. Para nós é um motivo de orgulho, porque
estamos lado a lado com os grandes hospitais do país no que diz respeito ao
diagnóstico pré-natal e de cuidados de Obstetrícia e Ginecologia de excelência.
Conseguem,
portanto, nesta matéria, equiparar-se aos grandes hospitais de Portugal?
Sim, tanto em Obstetrícia como em
Neonatologia. Embora esse não seja o meu serviço, a nossa Neonatologia
conseguiu bebés vivos, sem sequelas, que nasceram com 23 semanas e seis dias,
24 semanas. Bebés que agora estão muito bem e que nasceram com pouco mais de
600 gramas. O nosso serviço de Neonatologia, desde sempre, recebeu bebés desde
as 24 semanas e os resultados têm sido sempre muitíssimo bons, o que também é
uma mais-valia para o serviço de Obstetrícia deste hospital. Podermos contar
com uma equipa de Neonatologia muito bem treinada e experiente. É uma segurança
para nós e para as grávidas.
Detalhe
Os
nascimentos estão a aumentar, mas ainda não em número suficiente para colmatar
os números reduzidos dos anos anteriores. O cenário é preocupante e Teresa
Paula Teles não o nega. A prova de como a pirâmide social está a inverter é a
realidade dos hospitais. Agora, é o Serviço de Medicina Interna que mais dá que
falar em termos de internamentos. “A redução do número de camas de Ginecologia
resultou no aumento do número de camas para Medicina Interna” – explica a
médica. Para se adaptar à realidade, o hospital acabou por reequacionar o
número de camas e, efectivamente, constatou-se que a Ginecologia era um serviço
que tinha a ocupação mais reduzida, graças às cirurgias de ambulatório. Um
número importante de camas foi redistribuído pelo serviço de Medicina Interna, onde
a maioria dos utentes internados são idosos.