segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Não te resignes, Luísa!



23 de Outubro de 2017



Eram folhas A4 em micas penduradas nas árvores, umas a seguir às outras como se fossem peças de roupa num fio de estendal. Eram folhas A4, mas eram também pessoas. Eram, disse bem, já não são. Nunca mais o serão, por causa da nossa passividade, resignação, cegueira. Em cada uma estava escrito o nome de uma vítima mortal dos incêndios deste verão em Portugal. E pior, cada uma daquelas folhas podia ter sido evitada. Cada uma daquelas folhas poderia ainda estar na sua resma de papel e não enfeitar os Aliados se cada um de nós tivesse agido e exigido a tempo. Se aqueles que se dizem nossos representantes saíssem da capital e fossem conhecer a verdade do país, deixassem de tratar das coisas como problemas num papel para passar a ver os problemas de perto. E no meio disto tudo nunca a palavra INCOMPETÊNCIA doeu tanto. Matou tanto.

Foi a tua primeira manifestação e foi a minha também. E connosco levamos os tios V. e C., que um dia antes tinham estado em Santa Comba Dão, onde testemunharam o cinza que agora há, onde antes havia verde. Que ficaram de coração apertado por saberem que os familiares tinham passado por momentos difíceis, mesmo que nesse dia lhes tivessem dito que estava tudo bem só para não os preocupar. Que testemunharam uma população bastante envelhecida no rescaldo de terem ficado sem nada, sem casas, sem pastos, sem animais, sem agricultura. Sem sustento, Luísa. Pessoas que vivem da terra, terra essa que na sexta-feira ainda fumegava.

Todos falhamos, porque quando os mais desprotegidos tombam desta maneira toda uma nação falha, colapsa. E não, não podemos esperar que o noticiário acabe com as notícias da tragédia para continuarmos com a nossa vidinha, só porque a nós não nos tocou. Mas tocou, tocou a todos, porque as coisas da forma como aconteceram podiam ter-se passado com qualquer um de nós. É isso que importa, colocarmo-nos no lugar do outro e pensar: e se fosse eu?, se fosse a minha casa?, se fosse a minha família?

Por isso, peço-te Luísa, não te resignes. Não cantes como os Deolinda no «Movimento Perpétuo Associativo» e mandes os outros lutarem pelas tuas lutas, porque eles não lutarão como tu.

Tu nunca te vais lembrar Luísa e é por isso que hoje escrevo este texto, para que um dia o leias e talvez consigas sentir algum arrepio na espinha. Eram folhas A4, Luísa, mas eram pessoas.

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