26 de Março
Hoje tive a prova da importância do desenho na vida de uma criança
como forma de expressão, como registo do seu dia-a-dia, do ambiente que a
rodeia. Mas foi uma prova que me doeu.
Estou com a Luísa em casa desde que a escola dela fechou e o Jorge
juntou-se a nós esta semana.
Ambos em teletrabalho transformamos a nossa mesa da sala – aberta na
sua extensão total – no nosso posto de trabalho. Ele dum lado, eu do outro. No
resto da sala reinam as princesas, um urso cor-de-rosa gigante, um cavalo de
baloiço, plasticinas, desenhos, jogos. Nós, os adultos, somos a ilha de
aborrecimento no meio do mundo de fantasia em que se transformou a sala.
Hoje a Luísa sentou-se a “trabalhar” na mesa dela e poucos minutos
depois veio-me mostrar o resultado do trabalho dela. Era uma folha em branco,
onde desenhou uma mesa com computadores, eu de um lado e o pai do outro, ao
lado ela sozinha. Sozinha. Longe do mundo do trabalho, que nos ocupa o dia
todo. Quase me vieram as lágrimas aos olhos. Depois foi mostrar ao pai.
Demos-lhe muitos beijinhos e abraços e dissemos-lhe que o desenho estava muito
bonito. Eu sempre com o meu cabelo que ela diz que é vermelho, o pai em frente
a um ecrã enorme. Pura realidade. O desenho era o espelho da nossa manhã, da
nossa semana.
Nunca estivemos tanto tempo com a Luísa dentro de casa, mas ao mesmo
tempo nunca estivemos tão ocupados e absorvidos em trabalho. E a nossa menina
lá se vai entretendo, sozinha, mesmo que às vezes ouça “Agora não, Luísa!” e
até nem se queixa muito, vai entendendo este trabalho caseiro. Faz desenhos, vê
filmes, veste-se de princesa, marca o dia do mês num calendário como faz na
escola, vem-me dizer rimas ou lengas-lengas, pedincha jogos de computador ao
pai (isto dará outro texto um dia destes!).
Nós procuramos dedicar-lhe momentos só para ela ao longo do dia, como
a caminhada “higiénica” lá fora após o almoço ou 30 minutos de ginástica que
faz com o pai ao final da tarde. Mas é pouco. Virão alturas em que o trabalho
afrouxará, mas por agora quer o Jorge quer eu temos de nos dedicar aos nossos
trabalhos. Ninguém vive só do ar que respira e felizmente temos trabalhos, que
salvo algumas excepções, conseguem ser feitos desde casa.
Mas depois de um desenho daqueles ficou-me um amargo de boca. Gerir
família e trabalho, tudo no mesmo espaço não é fácil, embora pareça. Quantos
pais não se estarão a sentir assim, como que se estivessem a colocar trabalho à
frente dos filhos?
A todos os pais em teletrabalho, que tiveram reuniões com os filhos ao
cólo ou atenderam um telefonema enquanto assoavam um nariz, que deixaram um
e-mail a meio para dar o lanche da manhã ou mudar uma fralda, um beijinho de
camaradagem e um xi-coração apertadinho.
No final, vamos ficar todos bem, não é assim?
Que venha o fim-de-semana sem teletrabalho.
P.S. A imagem que coloquei é o desenho feito pela Luísa.