sábado, 5 de março de 2022

O recreio da solidão

 

Sempre adorei a escola. Sempre gostei de aprender coisas novas a cada folhear de página dos manuais. O giz que sujava as mãos, o leite escolar que nunca bebia por vergonha. Ser chefe de turma, quando me portava bem. O almoço na cantina, a custo, mas que comia rápido para ter mais tempo para brincar. Os amigos.

Mal tocava a campainha íamos todos em correria para o recreio brincar. Ainda hoje tenho amigos desses tempos. Brincávamos às caçadinhas e às escondidas, ao elástico e à macaca e quando os rapazes estavam de bom humor até nos deixavam dar uns chutos na bola. O meu “My First Sony” vermelho, azul e amarelo era uma presença frequente na escola, com cassetes dos Onda Choc para ensaiarmos danças.  

 

Na minha turma havia vários grupos de amigos, mais ou menos afinidades, mas não me lembro de alguém andar só. Os anos também já vão distantes e as memórias da infância tendem a ser pintadas de cor de rosa. Mas sinceramente não me lembro de meninos a deambular sós pelo recreio.

 

Mas hoje em dia parece que ser criança é mais difícil que no meu tempo.

 

Ainda se ensina que somos todos diferentes e todos iguais, fala-se muito no bullying e muito nos afetos, mas o menino que é novo na escola, a menina que tem uma caraterística diferente ainda andam sós na hora do recreio. Há grupos de amigos que não aceitam receber um membro novo ou se o aceitam é para que esse membro seja uma espécie de súbdito dos outros. Ouvem-se insultos entre crianças e não são raras as vezes em que se batem.

 

Eu ouço estas histórias e o meu coração de mãe fica pequenino, mirrado, a imaginar uma criança sozinha num recreio, a pedinchar alguém que queira brincar com ela e num universo de dezenas de meninos e meninas não haver ninguém (ou haver muito poucos) que o recebam com um sorriso e incluam nas brincadeiras um novo amigo. Um recreio deve ser o expoente máximo da felicidade de uma escola!

 

Então a minha questão é: onde é que nós, pais e restante comunidade escolar, estamos a falhar? É uma questão que me assola e não consegui ainda chegar a uma conclusão. Se desde o berçário e jardim de infância são feitas atividades ou trabalhos sobre a empatia e os afetos, para onde vai toda essa “pedagogia” depois? Somos nós, pais, que não falamos o suficiente com os nossos filhos, que achamos que aos nossos isso nunca acontece? Quer os nossos filhos sejam o que anda sozinho a vaguear pelo recreio ou o que nega amizade a outro menino.

Será a crueldade uma coisa inata, vinda da sobrevivência das espécies, e que apesar de tanto discurso sobre a empatia cai em saco roto na hora de estabelecer hierarquias de recreio? Será que a nossa humanidade nos tornou mais egoístas, incapazes de ver o outro, fechadinhos na nossa concha?

 

Se alguém se quiser associar a esta minha reflexão sintam-se livres para ajudar a entender o problema e procurar soluções. Porque não há coisa mais triste que um recreio de solidão.